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sexta-feira, 23 de agosto de 2013
domingo, 4 de agosto de 2013
EJA: uma prática de liberdade, uma prática mediada pela linguagem- reflexão PARTE 1
A idéia principal é estudar a realidade que está presente em nossas muitas salas de aula onde crianças estudam durante o dia e
que recebe à noite os estudantes da EJA.
RESUMO
O texto discute a influência do processo de escolarização no desenvolvimento mental e cultural de estudantes da educação de jovens e adultos (EJA)
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Este artigo visa discutir como o processo de escolarização pode influenciar no desenvolvimento mental e cultural de estudantes da educação de jovens e adultos (EJA) a partir do levantamento de questões como:
-Quais são os sentidos que jovens e adultos pouco ou não escolarizados constroem ao se inserirem no processo de alfabetização na escola? ______________________
-O ensino de conceitos científicos e escolares desencadeia processos de desenvolvimento mental e cultural nos jovens e adultos analfabetos? ______________________
Essas indagações foram formuladas no decorrer de uma pesquisa de mestrado à medida que os estudantes relatavam suas histórias e práticas de leitura, construindo discursos sobre suas formas de ser e estar no mundo e sobre suas práticas sociais, agora na perspectiva de sujeitos inseridos no universo da língua escrita.
Com o propósito de tentar responder a tais perguntas, estabeleceu-se um diálogo entre a psicologia histórico-cultural (VYGOTSKY, 2005, 2008; VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 2006), o processo de alfabetização e de conscientização de Paulo Freire (1996, 2007, 2008) e a etnografia interacional (SANTA BARBARA CLASSROOM DISCOURSE GROUP, 1993). No que concerne ao material empírico do estudo, ele está situado numa turma inicial de alfabetização de jovens e adultos da rede pública municipal de Belo Horizonte e tem seu foco nas práticas sociais de leitura e em suas relações com a construção de múltiplas identidades. A discussão apresentada neste artigo reporta-se, assim, a trechos dos enunciados de um dos estudantes entrevistados.
EJA: uma prática de liberdade, uma prática mediada pela linguagem
Para auxiliar no desafio proposto, como já dito, foram adotadas as perspectivas apontadas pelas proposições de Freire (1996, 2007, 2008) e de Vygotsky (2005, 2006, 2008). Esses autores concebem o ser humano como sujeito sociocultural interativo, criador de cultura, inconcluso e consciente de sua inconclusão, inserido num meio histórico e socialmente construído por ele em conjunto com outros membros do grupo social. Ainda nessa perspectiva, trata-se de um sujeito de reflexão e de ação, de criação e de reconstrução, em constante processo de transformação na busca por tornar-se humano.
De acordo com Vygotsky (2008), o sujeito é ativo e interativo, pois constrói conhecimento e constitui-se por meio das relações interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo mesmo que seus conhecimentos, papéis e funções sociais vão sendo internalizados, possibilitando a construção de novos conhecimentos e o desenvolvimento da personalidade e da consciência.
Já Freire (2007, 2008) compreende o ser humano como um ser histórico, social, inconcluso, capaz de ter não apenas sua atividade, mas a si mesmo como objeto de consciência. Na condição de estar sendo, o ser humano compara, valoriza, intervém, escolhe, decide, fazendo-se ser ético.
Essas perspectivas levam a compreender os jovens e adultos analfabetos e/ou não escolarizados como sujeitos históricos, sociais e culturais, dotados de conhecimentos e experiências acumulados ao longo da vida, e que necessitam da intervenção de instituições culturais capazes de desencadear o desenvolvimento de suas potencialidades. São, portanto, não objetos depositários de conhecimentos, mas sujeitos capazes de construir conhecimento e aprendizado.
Dessa forma, Freire (2007, p. 20) entende que "toda prática educativa tem como objetivo ir além de onde se está". A educação deve provocar novas compreensões, novos desafios que levem à busca de novos conhecimentos. É um processo contínuo de compreensão do mundo e de suas relações com ele numa realidade em transformação, podendo tornar-se uma prática de liberdade (FREIRE, 2008) e uma prática mediada (VYGOTSKY, 2008). Sendo assim, a educação deve estruturar-se na relação com os outros, por meio do diálogo, constituindo-se numa situação de aprendizado em que os sujeitos participam interativamente do processo de conhecer o mundo em que estão inseridos. É, portanto, na realidade vivenciada e na visão de mundo dos jovens e adultos que se encontra o conteúdo da educação. A prática pedagógica consiste numa investigação do pensar e na discussão das visões de mundo expressas nas diversas maneiras de relacionar-se com os outros e com os objetos de conhecimento.
Para esses estudiosos, o aprendizado possui uma natureza social e histórica, uma vez que opera nas relações interpessoais situadas num tempo e num espaço próprios. Sendo um processo social, o aprendizado se faz por meio do diálogo, do uso da linguagem na instrução. Nesse processo, o sujeito parte de suas experiências, vivências e significados para uma análise intelectual, comparando, unificando e estabelecendo relações lógicas. Assim, os conceitos construídos ao longo da vida passam por um processo de transformação e ressignificação, estabelecendo uma nova relação cognitiva que resulta no desenvolvimento subsequente da consciência e de vários processos internos do pensamento, além da reconstrução de conceitos, agora, científicos (VYGOTSKY, 2008).
Prosseguindo com Vygotsky (2008), o conhecimento do mundo é sempre mediado pelas práticas culturais, pelo outro e pela linguagem. Por meio da palavra, na relação com o outro e com o mundo, classificamos, recortamos, agrupamos, representamos e significamos nossa realidade. O aprendizado humano, nessa perspectiva, é essencialmente social e se processa na interação com os outros, à medida que seus elementos constitutivos se interpenetram na vida intelectual e cultural dos participantes do grupo. A relação entre o indivíduo e a sociedade é um processo dialético construído e mediado pela linguagem; portanto, é simultaneamente um processo subjetivo e social. Dessa forma, o ensino pode propiciar o desenvolvimento mental à medida que os conteúdos socialmente elaborados do conhecimento humano e as estratégias cognitivas para sua internalização são empreendidos nas interações sociais e educativas.
No mundo de objetos particulares e de significados de palavras que os homens recebem das gerações anteriores organiza não apenas a percepção e a memória (assegurando assim a assimilação de experiências comuns a toda a humanidade), mas estabelece também algumas condições importantes para o desenvolvimento posterior e mais complexo da consciência.
Desse modo, aprendendo a utilizar os instrumentos de seu grupo cultural e os sistemas linguísticos, jovens e adultos podem desenvolver novas formas de atividade, transformando esses objetos em signos culturais e tornando-se seres de direitos e deveres (FREIRE, 2008).
Como lembra Vygotsky (2008), a cultura mediada pela linguagem possibilita a transformação do homem de ser biológico em ser social, substituindo suas funções inatas e propiciando-lhe a utilização de instrumentos e signos culturais para além dos limites da natureza. Dessa forma, a capacidade de ensinar e aprender constitui um atributo fundamental dos seres humanos. Assim sendo, a educação é capaz de desenvolver as potencialidades do sujeito e de constituir-se como expressão histórica e crescimento da cultura humana (MOLL, 1996).
De acordo com tal perspectiva, a escola é uma instituição cultural que possui atividades, modos e atitudes específicas de ser e de pertencer a essa cultura escolar. Situada numa sociedade grafocêntrica, a escola configura-se como um espaço onde ocorrem diversas práticas culturais e relações entre os processos cognitivos e os instrumentos semióticos criados pelos seres humanos (OLIVEIRA, 1999).
Neste texto, enfatiza-se o processo de escolarização por se considerar que ele abrange diferentes práticas culturais, as quais pressupõem a aprendizagem não só dos conteúdos escolares (das atividades de leitura, escrita e cálculos), mas também do significado de ser aluno e de ser professor, e do modo como funciona e se organiza a escola em seus tempos e espaços. Além disso, o processo de escolarização abrange a aprendizagem da linguagem veiculada e valorizada pela escola, de papéis, direitos, deveres e funções exercidos pelos participantes no contexto escolar.
Os estudos desenvolvidos a partir dessa perspectiva (COLE, 1996; OLIVEIRA, 1999; MOURA, 1999) consideram a possibilidade da influência da escolarização nos modos de funcionamento cognitivo, pois, quando escolarizados, os indivíduos apresentariam uma possibilidade de pensamento descontextualizado, abstraído de experiências pessoais e da realidade concreta e imediata, diferentemente dos indivíduos membros de grupos culturais pouco ou não-escolarizados, cujos modos de funcionamento intelectual apresentar-se-iam presos à realidade vivenciada, concreta e imediata. (MOURA, 1999, p. 102)
Na EJA, os jovens e adultos pouco ou não escolarizados - oriundos, portanto, de uma cultura não escolar -, ao ingressarem na escola, terão que se inserir e interagir com os modos de funcionamento particulares da instituição. Entretanto, o aprendizado desses sujeitos inicia-se muito antes de frequentarem a escola, uma vez que eles aprendem a lidar com as situações, as necessidades e as exigências cotidianas da sociedade contemporânea. Portanto, quando começam a estudar, já tiveram experiência com medidas, cálculos matemáticos, materiais impressos, língua materna falada, ferramentas de trabalho e equipamentos elétricos e/ou eletrônicos.
Esse aprendizado ocorreu nas interações com outras pessoas, por meio de perguntas, respostas, instruções, informações e imitação, possibilitando que eles desenvolvessem um repertório de atividades/capacidades que lhes permitiu ocupar seus espaços dentro de seus grupos sociais. Isso mostra que "aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança" (VYGOTSKY, 2008, p. 95) que um dia os jovens e adultos foram.
Ressalta-se, então, que ao ingressarem na escola, jovens e adultos que já adquiriram um aprendizado informal terão acesso ao aprendizado escolar que está direcionado para a assimilação de fundamentos do conhecimento científico de modo sistematizado. Assim, esse aprendizado produzirá algo novo no desenvolvimento mental desses sujeitos (VYGOTSKY, 2008). E para compreender essa relação entre a capacidade de aprendizagem e o processo de desenvolvimento, de acordo com Vygotsky, não se pode ater-se às etapas de desenvolvimento. Corrobora-se essa ideia, pois, do contrário, como explicar as aprendizagens e o desenvolvimento que se realizam ao longo da vida? Como explicar por que eles passam pelas mesmas fases de compreensão da língua escrita por crianças em início do processo de alfabetização? (GOMES; DALBEN; COSTA, 2009; ALBUQUERQUE; LEAL, 2004).
O aprendizado, assim, quando bem organizado, é capaz de desencadear vários processos internos de desenvolvimento que só podem ser operados quando a pessoa interage com outros ou em colaboração com seus pares. Ao serem internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento do sujeito, as quais, por sua vez, passam a ser autônomas. O autor, então, conclui:
O aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. (VYGOTSKY, 2008, p. 103)
Uma vez que os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizagem, que um se converte no outro e que os dois não são realizados na mesma medida e paralelamente, pode-se afirmar que existem relações dinâmicas e complexas no curso dos processos de desenvolvimento e de aprendizado de jovens e adultos. Assim sendo, conforme já anunciado, este estudo pretende mostrar os sentidos que jovens e adultos constroem ao serem alfabetizados e, ainda, verificar se o ensino de conceitos científicos e escolares desencadeia neles processos de desenvolvimento mental e cultural.
A pesquisa: o contexto de produção
O cenário desta pesquisa configura-se numa sala de aula de alfabetização de EJA onde jovens e adultos aprendem a ser e a vivenciar a condição de estudantes. Inicialmente, um espaço com carteiras dispostas em fileiras paralelas, quadro branco, uma mesa de professor à frente e vários cartazes de alfabetização de crianças1 espalhados pelas paredes, o que em nada difere de uma sala de qualquer instituição escolar de nosso país. À medida que estudantes e professora entram nessa sala, uma nova tela se compõe: diversas vozes, histórias e experiências de vida, expectativas e concepções sobre a maneira de ser estudante, de ser professor, de aprender e de ensinar que se entrecruzam e se aproximam. Nesse momento, aquele grupo de pessoas "se transforma em uma 'classe', em um grupo social" (GOMES, 2004, p. 32) em que professora e estudantes passam a construir oportunidades de aprendizagens, significados, sentidos, identidades, histórias escolares diferenciadas e singulares (GOMES; MONTEIRO, 2005); histórias como as de Antônio,2 da qual aqui se vale para compreender o complexo processo de desenvolvimento cognitivo quando jovens e adultos ingressam ou voltam para a escola.
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